Publicado originalmente em Portal Aprendiz
Não são poucas as memórias que a ilustradora peruana Issa Watabane tem de como adultos podem fazer crianças duvidarem de seu potencial de expressão. Ela se lembra de ver um menino mostrar o desenho de um gato para sua mãe: eram poucos e finos rabiscos, um gato magro, sem rabo e com três pernas.
A mãe, na melhor das intenções, começou a corrigi-lo, adicionando a pata que faltava, o rabo balouçante, explicando como os gatos eram. Não era, entretanto, como o menino queria expressá-lo.
As próximas vezes que desenhou, pairava no menino sempre uma hesitação, um receio de não agradar, como se sua imaginação não correspondesse ao mundo real. Ele havia perdido o desejo de jogar.
Abrindo o seminário Arte, Palavra e Leitura na 1ª Infância, que ocorreu nos dias 13, 14 e 15 de março no SESC Pinheiros, em São Paulo, a artista peruana foi convidada a ministrar uma oficina sobre a importância do brincar e do desenho na formação cognitiva e social das crianças – e como os adultos não devem interferir ou podar sua criatividade.
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A oficina fez parte de uma programação voltada à compreensão da palavra e da arte enquanto arsenais para pais, educadores e sociedade na formação de crianças de 0 a 6 anos. Mesas de debate e oficinas exploraram o potencial da aproximação entre livros e crianças, experiências com bibliotecas comunitárias e como a cultura da infânciaé enriquecida quando a leitura e a arte fazem parte dela.
Aos mais de trinta educadoras e educadores que acompanhavam sua oficina, Issa pontuou a relevância do jogo, isto é, do brincar para muito além da sua ludicidade: “O jogo ensina a capacidade de manejar sua própria vida frente às posições externas do mundo. E a percepção adquirida durante o jogo mantém o sentimento, da vida infantil até a adulta, de que esse mundo externo vale a pena”.
Sua teoria da importância do brincar foi embasada na leitura de especialistas que estudaram arduamente o desenvolvimento infantil. Ela relembrou como Jean Piaget debruçou-se sobre a infância em uma época em que esse período não era considerado nada além de uma etapa prévia para a vida adulta; para o biólogo e psicólogo, a primeira infância é a fase onde acontece o significativo período da apreensão dos objetos e construção simbólica.
Quando a criança joga está desempenhando, no mínimo, três atos fundamentais em sua vida: exploração, comunicação e expressão
“O mundo e a sociedade impõem regras, e a brincadeira mostra que podemos confrontar isso de forma criativa. E quando falo de criatividade, não falo somente de uma prática artística, mas da capacidade de transformar o fora. Se não a tivéssemos, seríamos pessoas sem vontade, acomodadas, cuja imposição externa seria tanta que o indivíduo desapareceria”, reforça a ilustradora.
Em seu entendimento, a brincadeira deve ser entendida como uma necessidade biológica, que permite canalizar e resolver conflitos sem perigo e produz, acima de tudo, um prazer da descoberta, da curiosidade ante o novo: “Quando a criança joga, está desempenhando, no mínimo, três atos fundamentais em sua vida: exploração, comunicação e expressão. Está explorando o mundo, investigando-o, averiguando como são as coisas que formam sua realidade”.
Issa escolheu o desenho para a demonstração de como o mundo adulto pode cercear o desenvolvimento criativo. “Quando perguntamos para crianças entre quatro e cinco anos se elas sabem desenhar, todas respondem que sim. Quando perguntamos aos adultos, poucas são as afirmativas. Quando perdemos isso?”, questionou a ilustradora aos convidados.
É o juízo de valor, que a ilustradora sentiu no desenvolvimento de sua própria arte e também ao aproximar-se dos espaços de formação infantil, o grande inibidor: é quando o adulto olha para o traço de uma criança e procura atribuir significado, seja positivo ou negativo, ao invés de enxergá-lo enquanto forma de expressão, aliada a uma imaginação que distingue pouco contornos entre realidade e fantasia.
“O traço infantil deve estar isento de ser entendido por um possível observador adulto”, defende Issa. Se o mediador ou o pai atribuem características negativas frente ao desenho – “ah, isso não está parecido com a realidade” – ou positivas – “que bonito, você desenha muito bem” – fazem com que a criança desenvolva uma finalidade para o que está fazendo; e por consequência, uma ansiedade por seu resultado.
Em alguns espaços educativos formais, como escolas de primeira infância onde Issa lecionou, ela percebeu que a disciplina de Educação Artística, se feita de forma somente a ensinar a criança a desenhar algo, fazia com que os alunos se decepcionassem se não ouvissem um elogio e que desenhassem afoitas em representar o mundo não como o viam, mas como um adulto havia demonstrado.
Qual papel então assume o educador dentro da disciplina de artes ou os pais frente à criança que mostra o desenho? Issa acredita que o papel seja um misto de afastamento crítico e facilitação: o adulto deve fornecer ferramentas de expressão para a criança e propiciar ambientes de liberdade, onde ela não se sinta inibida ou forçada.
Ela exemplifica com o espaço Le Closlieu, criação do semiólogo alemão Arno Stern – que acredita que a educação artística como concebida pelas escolas matava a possibilidade do jogo, da brincadeira. No Le Closlieu, espaço que se concretiza em Paris e outras cidades no mundo, crianças desenham livremente, seguindo seus traços espontâneos, sem pressões ou competições, partilhando de experiências de descobrimento como juntar tintas de cores diferentes e passar muito tempo encontrando diversos resultados.
Para dar corpo à associação da prática do desenho com o brincar, a ilustradora terminou a oficina convidando os educadores a criarem cabeça, tronco e pés de personagens que seriam trocados entre si: as criaturas desenhadas ao fim – um sapo com tronco de menina e pé de sereia – demonstravam as infinitas possibilidades de diversão e de aprendizado ocorridas quando o desenho não tem finalidade nenhuma senão o prazer e a vontade de se expressar.
Já tendo morado e visitado diversas cidades do Peru, Issa observou como o fenômeno da privatização de parques e outros espaços públicos de convivência impacta, sobretudo, as crianças.
“O brincar não pode se limitar a espaços fechados. As cidades devem ter locais não somente de brincadeira para as crianças, mas que sirvam como espaço de ócio para adultos e comunhão para toda a comunidade”, defendeu.
Mesmo com essa limitação das cidades contemporâneas, Issa ressalta que há espaços de convivência que, por vezes sem intencionalidade, convertem-se em lugares de respiro em meio a avalanche privatizadora. Um dos exemplos são os calçadões. O de Lima, capital do Peru, por exemplo, está localizado sobre uma falésia e é interpelado por pontos com brinquedos, pistas de skate, quadras e espaços de caminhadas para pedestres e ciclistas.
“As cidades estão crescendo e a noção de bairro como local de convivência e comunidade vai se tornando cada vez mais inexistente. É fundamental pensar na cidade então como lugar de realização dessas relações, e o espaço público, como um território onde a criança possa jogar”.
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