por Caio Zinet, do Centro de Referências em Educação Integral
O currículo da pré-escola e a rotina extensa de atividades está tirando o tempo livre, diminuindo a capacidade criativa e atrasando o desenvolvimento integral das crianças. A conclusão é da professora Erika Christakis que lançou recentemente seu novo livro The Importance of Being Little [A importância de ser pequeno, tradução livre].
Ela defende a tese de que os professores, pais e responsáveis estão tirando o tempo ocioso das crianças e não conseguem mais vê-las entediadas. Nesses casos, oferecem imediatamente uma nova atividade, sem dar espaço para que elas pensem, de forma autônoma, em como preencher o tempo.
“Nós não temos fé nas nossas pequenas crianças. E não temos fé em nós mesmos. Eu acho que o tédio pode ser um grande amigo da imaginação. Às vezes, quando as crianças parecem entediadas, é porque elas ainda não tiveram tempo de se engajar em alguma coisa”, afirmou a autora em entrevista ao jornalista Cory Turner, ao site NPR, traduzida pelo Centro de Referências em Educação Integral.
De acordo com ela, essa lógica de preencher o tempo das crianças com atividades que não estimulam o brincar também está sendo reproduzida em grande parte dos currículos das pré-escolas. Os pequenos se veem, assim, obrigados a fazer lições de casa e outras tarefas repetitivas, ao invés de estimular o aprendizado por meio do brincar.
“Para dar um exemplo, crianças brincando de construir um forte vão ativar mais o aprendizado cognitivo do que aquelas que ficam sentadas em frente a uma lousa fazendo lições de casas repetitivas, como quando os professores colocam uma pilha de moedas de um centavo de um lado, de outro alguns números e as crianças precisam conectar isso por meio de um lápis”, afirmou a professora.
Veja abaixo a entrevista.
NPR: Como você define o conceito que chama de “paradoxo da pré-escola”?
Erika Christakis: Eu diria que é a ciência confirmando aquilo que já sabemos pela prática do dia-a-dia: crianças estão aptas para aprender muitas coisas diferentes. Elas são realmente capazes, fortes e inteligentes. O paradoxo é que muitas delas estão apresentando resultados fracos na educação infantil e existem uma série de problemas graves que precisamos combater.
Temos, por exemplo, a questão da crescente expulsão dentro do sistema pré-escolar; outro tema são as crianças medicadas por problemas de atenção. Temos muitas evidências que os pais estão frustados e se sentem sobrecarregados no cuidado de seus filhos. Então, o que realmente me interessa é a seguinte pergunta: o que está acontecendo?
O que percebemos é que os horários das pré-escolas estão lotados de atividades e há uma transição muito rápida entre elas. Temos toneladas de informações coladas nas paredes, com crianças se movimentando muito rapidamente de uma atividade para outra. E também estamos pedindo que eles fiquem sentados por muitas horas em atividades que são, na maioria das vezes, chatas.
A vida dessas crianças está sobrecarregada de tarefas e elas estão vivendo a vida de um mundo adulto. Subestimamos a enorme capacidade que elas têm de serem reflexivas e pensativas, e, creio, isso ocorre porque não estamos dando o tempo suficiente para que brinquem e construam as relações com as outras crianças.
NPR: Por que você pensa que tantos educadores e formuladores de políticas públicas veem o aprender e o brincar como atividades excludentes?
Erika Christakis: Isso é incrivelmente estranho, é uma falsa dicotomia. A ciência é muito taxativa nesse assunto. Existem diversos tipos de pesquisa que tratam não só sobre a primeira infância, mas também pesquisam sobre o comportamento de mamíferos e sobre como eles costumam brincar para aprender.
A sociedade sempre está sempre procurando por soluções rápidas para resolver problemas que demoram tempo. Infelizmente, isso tem consequências na educação na primeira infância e, por isso, estamos adotando medidas superficiais de aprendizagem nessa fase.
Eu acho que outro problema é que o rico processo baseado no brincar para aprender não é tão fácil de fazer quanto se pensa. E isso acontece porque, enquanto o impulso de brincar é natural, o que eu chamo de know-how da brincadeira depende fundamentalmente de uma cultura que valorize o brincar, que dê as crianças tempo e espaço para tal.
NPR: Como funciona na prática o aprender pelo brincar?
Erika Christakis: Quando você olha para como as crianças aprendem, vemos que isso ocorre quando alguma coisa realmente tem um significado para elas; quando se dá a chance dela aprender estabelecendo relações. Isso tudo acontece, é claro, por meio da brincadeira.
Mas muito do currículo está organizado a partir de outros princípios, como o conforto e adequação aos adultos. Isso também se reflete em expressões típicas como: “Ah, que fofo”, ou “A gente sempre fazia isso”. Em boa parte do tempo, os pais, nós, somos treinados para esperar produtos fofos das crianças.
Costumo dizer que o papel da arte na pré-escola ou no jardim da infância deveria servir para fazer sentido para as crianças e não necessariamente para produzir objetos e coisas que os adultos querem e acham fofo. Mas é difícil fazer com os pais comprem a ideia de que os seus filhos não virão para casa com desenhos lindos porque, talvez, eles tenham gastado o tempo delas durante a semana brincando na lama.
Professores, por sua vez, estão muito interessados em refinar as habilidades motoras de seus alunos e com frequência pensam que isso acontece por meio de atividades de corte e cola, que são importantes, mas não centrais. Eu argumentaria que essas não são as principais habilidades que precisamos desenvolver em nossas crianças.
NPR: Quais as principais habilidades que precisamos ajudar as crianças a desenvolverem?
Erika Christakis: Eu acredito que a prioridade número um é fazer com as crianças se sintam seguras em suas relações porque, de novo, somos animais sociais. As crianças aprendem por meio da relação com as outras. Então, penso que a prioridade para a educação é garantir que elas tenham espaço para brincar, fazer amigos, aprender limites e desenvolver a capacidade de expor seus pontos de vista.
NPR: Estamos falando de habilidades não cognitivas…
Erika Christakis: Eu não acredito no uso desse termo.
NPR: Habilidades socioemocionais?
Erika Christakis: Eu diria habilidades socioemocionais. Mas, novamente, é uma noção simplista dizer que existe uma noção de habilidade socioemocional de um lado…
NPR: E acadêmica de outro…
Erika Christakis: Isso, e eu argumentaria que muitas das chamadas habilidades acadêmicas são muito anti-intelectuais e anticognitivas. Além disso, considero que o desenvolvimento de habilidades socioemocionais estão muito ligadas ao processo de aprendizagem.
Acredito que um dos maiores exemplos é o uso da linguagem. Quando as crianças estão entre elas, falando e ouvindo, elas estão aprendendo a se autorregular, estão desenvolvendo vocabulário, aprendendo a pensar em voz alta e isso é uma habilidade altamente cognitiva. Mas voltamos novamente àquela falsa dicotomia entre “habilidades complexas” versus “habilidades superficiais” ou “habilidades unidimensionais”.
Para te dar um exemplo, crianças brincando de construir um forte vão ativar mais o aprendizado cognitivo do que aquelas que ficam sentadas em frente a uma lousa fazendo lições de casas repetitivas, como quando os professores colocam uma pilha de moedas de um centavo de um lado, de outro alguns números e as crianças precisam conectar isso por meio de um lápis. É um jeito de ensinar muito unidimensional.
Quando estão construindo um forte com seus colegas, estão falando, usando uma estrutura de linguagem muito mais sofisticada do que se estivessem sentados numa mesa. Eles estão fazendo contas de Matemática, medições espaciais, Engenharia.
Mas também estão construindo e desenvolvendo relações pessoais. “Como eu posso construir esse forte?” “Como eu posso manter uma conversa com meu colega de sala?” “O que eu posso aprender com a outra pessoa?”. Isso tudo é incrivelmente poderoso.
NPR: O que é uma pré-escola de qualidade para você?
Erika Christakis: Vou começar dizendo o que não é uma pré-escola de qualidade. Uso duas variáveis para fazer essa avaliação. A primeira é que chamo de “variáveis estruturais” que abarca coisas como tamanho da sala de aula, a proporção entre o número de aluno e de professores, ou até mesmo a metragem e de que material as salas estão feitas.
Do outro lado, existem as “variáveis de processo”. Elas tendem a tratar de elementos relativos a como o professor conduz a educação dos estudantes. Ele é responsável? Tem um jeito de ensino acolhedor e empático com as crianças? Tem conhecimento sobre o desenvolvimento das crianças? O professor é capaz de traduzir esse desenvolvimento infantil para o currículo?
NPR: Isso parecer algo difícil de ser mensurado…
Erika Christakis: Na verdade não é. Existem diversas boas maneiras de medir como, por exemplo: o professor está no chão com as crianças? O professor faz perguntas abertas e deixa as crianças falarem? Diferenciar “me fale sobre essa pintura” versus “oh, que fofo, Bobby” não é difícil.
As variáveis estruturais são mais fáceis de regular. POr exemplo, se você tem um problema com os trabalhadores porque não está pagando bem seus professores e, assim, eles não têm como projetar suas carreiras dentro da escola, ao alterar essa variável estrutural, tem-se um efeito indireto na qualidade do ensino. Já os efeitos diretos vêm das variáveis de processo.
NPR: Você faz uma defesa de que o tempo da criança em casa não deve ser programado. Menos vai e vem para aulas de esporte, dança, aulas de natação e dar a seu filho tempo de sentar no chão e olhar para o teto, se é isso o que ele quer fazer. Conheço muitos pais que achariam essa visão um absurdo.
Erika Christakis: Isso acontece porque nós não temos fé nas nossas pequenas crianças. E não temos fé em nós mesmos. Acho que o tédio pode ser um grande amigo da imaginação. Às vezes, quando as crianças parecem entediadas, é porque elas ainda não tiveram tempo de se engajar em alguma coisa.
Nós, os adultos, rapidamente oferecemos outra atividade para a criança fazer quando a vemos entediada. Nós realmente estamos adultificando a primeira infância e as crianças não têm mais longos períodos ininterruptos para se engajar numa brincadeira imaginativa. Por isso estamos meio que tirando os pequenos do habitat natural da primeira infância, a tal ponto que muitas vezes eles não sabem o que fazer quando é dado tempo livre.
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