por Madalena Godoy, do Centro de Referências em Educação Integral
Chamamos educação integral os processos formativos que buscam o desenvolvimento dos indivíduos em suas múltiplas dimensões – física, intelectual, social, afetiva e simbólica. Isso significa que na educação integral, além do desenvolvimento cognitivo privilegiado no modelo educacional tradicional, a educação passa a se ocupar também das demais dimensões do desenvolvimento humano.
Mas, para que tais processos se efetivem, algumas mudanças precisam ocorrer na forma de organização da escola, a fim de promover situações de aprendizagem que permitam aos estudantes seu pleno desenvolvimento.
Entre as diversas mudanças necessárias, que incluem a diversificação do currículo, a incorporação de novos agentes educativos e a ampliação e qualificação do tempo escolar, destaca-se a utilização do território como espaço de aprendizagem. Mas, afinal, por que utilizar o território como espaço de aprendizagem? Por que educar no território? Que aprendizagens se constroem a partir dessa estratégia?
Para responder a essas perguntas, estruturamos, com base em pesquisas teóricas e experiências nacionais e internacionais, sete pontos que organizam a discussão de territórios educativos.
#1. Oportunidade para conhecer e reconhecer o território
Um dos objetivos é que os estudantes conheçam o lugar em que vivem. Como é o bairro, que pessoas moram ali, que formas de expressão cultural os moradores utilizam, que histórias são contadas (e que histórias não são). Conhecer o lugar em que vivem é fundamental para que os sujeitos se entendam e a suas próprias histórias, ajudando-os a construir sua identidade.
Além disso, sair do território próximo e circular por outros lugares da cidade permite que os estudantes tenham contato com outras culturas e experiências. Circular pela cidade e ver outras formas de organização do espaço, outras manifestações culturais, outra oferta de serviços públicos na cidade auxilia na compreensão da diversidade e das desigualdades que caracterizam nossa sociedade.
Estamos falando então que não apenas os museus, teatros ou outros espaços culturais são importantes, mas também o espaço urbano, as lojas, os shoppings, os estádios, os restaurantes, enfim, todos os lugares onde as pessoas transitam, trabalham, se encontram, se desencontram e se divertem propiciam oportunidades de aprendizagens e ampliação do repertório cultural das pessoas.
#2. Construção de sentido para a aprendizagem
Uma segunda razão para a utilização do território como espaço de aprendizagem é que esta estratégia ajuda os estudantes a construírem sentido para o aprender a partir de vivências e práticas culturais concretas: as relações que estabelecem, os saberes que já trazem para a escola, as crenças e valores com os quais se identificam.
Quando os assuntos presentes no território são problematizados pela escola, os estudantes percebem mais facilmente que aquilo que estão aprendendo está de fato relacionado com suas vidas. Como indicado pelo Texto Referência para o Debate Nacional, do Ministério da Educação, “sair da escola não significa simplesmente aprender os conteúdos curriculares em outro lugar, mas abrir possibilidades concretas para que os assuntos que interessam às crianças e aos jovens e aqueles assuntos que preocupam a comunidade sejam objeto do trabalho sistemático da escola”.
#3. Vivência da Cidadania
Outro aspecto a se considerar diz respeito à educação para a cidadania. A realização da vida em sociedade acontece nessa dimensão de tempo e de espaço que chamamos território. É nele que as distinções culturais e sociais, dadas pela geografia e pela história, se estabelecem e se reproduzem.
Sair da escola e estar no território permite às crianças e jovens identificar suas características, vivenciar os conflitos que ali se estabelecem e propor soluções para enfrentá-los. Permite também o contato com toda a diversidade que ali se faz presente, afinal como apresentado no documento do MEC, “promover o encontro entre modos diferentes de existir configura-se no desafio de constituir visibilidades das diferenças como matéria necessária à constituição do ser, de construção de identidades e de reconhecimento e respeito do outro.”
Em outras palavras, estamos dizendo que a cidadania somente pode ser construída pela sua vivência. Aprende-se a participar, participando. E a experimentação, pelas crianças e jovens, das questões reais da vida em sociedade, gera oportunidades de aprendizagem que não seriam possíveis no espaço restrito da escola.
#4. Valorização da cultura e do conhecimento popular
A escola desempenha um papel fundamental no processo de construção e difusão do conhecimento. Quando, em sua proposta pedagógica, estabelece um diálogo com os saberes das famílias e comunidades, contribui para a efetivação de um currículo que valoriza a cultura e o conhecimento popular tanto quantos os conhecimentos acadêmicos historicamente sistematizados pela humanidade.
E, como lembrado no texto de referência do Mais Educação, para a efetivação da educação integral, “é necessário que o conjunto de conhecimentos organizados no currículo escolar também inclua práticas, habilidades, costumes, crenças e valores que estão na base da vida cotidiana e que, articulados ao saber acadêmico, constituem o currículo necessário para a vida em sociedade”. Paralelamente, estes conhecimentos, construídos no cotidiano do campo e das cidades, tornam-se objeto de novas construções de sentido, sistematizados pelos próprios estudantes em seus percursos de aprendizagem.
#5. Outros modos de aprender
A escola tem práticas reguladoras que estão impressas em seu espaço e em suas dinâmicas. A forma de distribuição das cadeiras, a posição espacial do professor na sala de aula, os limites físicos do espaço, as regras de barulho ou silêncio são exemplos de como cada unidade ensina os estudantes a se controlarem e controlarem seus corpos para que se adaptem às regras.
A integração e utilização de outros espaços para a realização de atividades educativas mudam essas dinâmicas. Correr, fazer barulho, pular, sentar em círculo, sentar no chão também são dinâmicas por meio das quais se aprende. Sair do espaço escolar ajuda a construir a noção de que a aprendizagem se dá de múltiplas formas e em diferentes espaços.
#6. Direito ao espaço
Associado a todos esses aspectos está presente também o debate sobre o direito ao espaço público. Às populações pobres sempre foi negado o direito à cidade, e, as pessoas de diferentes classes sociais, dada a vulnerabilidade dos nossos territórios, cada vez mais se apartam e se afastam do espaço comum e se fecham em seus lócus privados. Quando a escola intencionalmente reverte essa lógica, e se propõe a ocupar o espaço público juntamente com as crianças e jovens, está lhes garantindo o direito que têm à cidade, reparando, ainda que de forma insuficiente, injustiças historicamente construídas.
Participar da vida da município, usufruir de seus bens culturais, ocupar praças, circular pelos diferentes espaços públicos são experiências de cidadania que precisam ser garantidas a todas as pessoas. Posição novamente reiterada pelo texto do Mais Educação: “A Educação Integral reconhece os diferentes territórios para o exercício da vida, e busca garantir aos estudantes o direito fundamental à circulação pela cidade, como condição de acesso às oportunidades, espaços e recursos existentes, como direito à ampliação contínua do repertório sociocultural e à expressão autônoma e crítica da sociedade e como possibilidade de projeto mais generoso de nação e de país”.
#7. Transformação do Território
Paralelamente, a circulação das crianças e jovens pelos espaços gera demandas que precisam ser observadas tanto pelo poder público quanto pelos moradores e pelas próprias instituições de ensino: sinalização de trânsito, calçadas, retirada de entulhos.
Há relatos, por exemplo, de motoristas de ônibus que passaram a dirigir com mais atenção, de donos de estabelecimentos que alteraram o horário de colocar o lixo pra fora e de moradores que instalaram bancos na calçada em função do deslocamento de estudantes pelo bairro. Novos hábitos escolares promovem novos usos urbanos e novas formas de relacionamento entre os sujeitos que circulam pelo espaço.
É claro que essa é uma forma de organizar a ideia e que a transformação de um território em território educativo não se dá por etapas. Esses objetivos, se assim podemos chamar, estão intimamente relacionados uns aos outros. Assim, quando falamos de construir noções de cidadania, por exemplo, estamos falando também de ampliação do currículo. Quando falamos de ampliação do currículo, incluindo os saberes comunitários, estamos falando também de dar sentido à aprendizagem.
No entanto, ter clareza das inúmeras possibilidades de desenvolvimento que se dão quando optamos por aprender no território pode nos ajudar a dar intencionalidade às ações. Intencionalidade essa absolutamente necessária para a construção de um projeto de educação que se preocupe com o desenvolvimento integral dos indivíduos.
Veja dicas para instituições educativas compreenderem o território como espaços de ensino e aprendizagem
– Utilização de espaços do entorno da escola para a realização de atividades: praças; parques, quadras, salões, igrejas, bibliotecas comunitárias, clubes, galpões, largos, restaurantes, etc;
– Realização de atividades para revitalização e ocupação de espaços abandonados ou pouco utilizados no bairro;
– Articulação de agentes do território que possam compartilhar seus saberes em atividades formativas, tanto em oficinas como em rodas de conversa ou apresentações culturais;
– Organização de visitas a museus, parques, clubes, feiras, exposições, natureza local (grutas, cavernas, florestas, etc);
– Problematização do território como conteúdo curricular;
– Articulação com equipamentos públicos, projetos sociais e organizações do território para a oferta de atividades educativas;
– Realização de Trilhas Educativas.
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